terça-feira, 23 de junho de 2015

Catarina Fontan & Ilka Vieira - Amizade-luz de muito longe



















Conheci Catarina Fontan em 1965.

Eventualmente, aos sábados, meu pai levava-me muito cedo para passar o dia na casa da querida amiga Martza, que se mudara para um apartamento no bairro de Copacabana, de frente para a praia. Sempre costumava ligar antes confirmando se a amiga e sua família estariam em casa, mas naquele sábado fugi à regra; no caminho, meu pai me perguntou se havia ligado; embora disso houvesse me esquecido, apliquei uma mentirinha, confirmando. Quando entrei no prédio, meu pai foi embora certo de que eu estaria, como sempre, segura na casa da amiguinha, mas o porteiro me informou que a família não se encontrava em casa. Pensando que Martza e sua mãe  estivessem na praia, ousei atravessar a rua e depois de procurá-las sem sucesso, perguntei a uma senhora se poderia sentar-me ao lado dela, até que localizasse minha amiga.

Extremamente delicada e percebendo minha pouca idade, deu-me muita atenção, no que me senti protegida. Quando me aproximei, ela estava escrevendo apoiada sobre um livro; ao lhe perguntar sobre o que escrevia, disse-me que estava fazendo poesia. Perguntou-me se gostava de poesia e eu lhe disse que gostava muito; contei-lhe, inclusive, que já havia participado de alguns concursos no colégio. Ela lamentou por não ter outra folha disponível para que eu também escrevesse e, achando um palito de picolé, escrevi um poema na areia. Aquele poema, ela me fez escrevê-lo na contracapa do seu livro, dedicando-o a ela.
As horas foram passando, esqueci-me da amiga e nossa conversa foi se tornando cada vez mais agradável, até que a senhora, com muita habilidade, fez-me confessar a minha mentirinha, acabando por me levar em casa. Melhor ainda, convenceu meu pai a conversar comigo, sem me advertir.
Fiquei com o número do telefone dela e ela com o meu. Pensei em lhe telefonar na semana seguinte, mas não foi preciso; ela me ligou fazendo um convite: queria que eu fosse lanchar na casa dela, para fazermos poesia juntas. Meu pai permitiu e, daí em diante, meus passeios com a amiga Catarina Fontan passaram a ser o melhor dos prazeres.

Passávamos muito tempo sem nos vermos, mas não ficávamos sem nos telefonar. Um dia, se despediu, porque ia se mudar para Brasília, onde havia comprado uma casa; parecia muito feliz. Passamos a nos corresponder por cartas, troca de poemas, cartões postais enviados por ela em cada uma das suas viagens, relatos sobre nossas vidas...
epois de muitos anos sem vê-la, telefonei-lhe comunicando-lhe que perdera meu pai e, depois, minha mãe. Conversamos muito e por fim ela me disse que eu não me considerasse órfã e, sim, definitivamente adotada por ela.

Recentemente, Catarina esteve no Rio de Janeiro novamente se despedindo: estava se mudando para a França. Jantamos juntas e, embora não demonstrasse nenhuma tristeza, conhecia-a tanto que senti através do seu abraço que Catarina estava se despedindo do Brasil, de mim, da vida!
Depois que chegou à França, esteve ainda mais próxima de mim:  telefonava-me praticamente toda semana, parecia feliz. Finalmente iria residir em Colmar, cidade francesa à qual se referia como "Jardim da Vida". Comprou a casa de um artista plástico italiano que, segundo ela, era apenas uma casinha (modéstia habitual de Catarina). A única fotografia que me enviou da casa, fiquei sabendo após a sua partida, era de um cantinho muito simples, fundos de um depósito, onde o tal artista plástico deixou guardada sua coleção de tintas usadas.

Catarina jamais enviaria fotografia da realeza que compunha a casa, tinha receio de que parecesse ostentação, mas insistia muito que a visitasse... que fosse morar com ela em Colmar.
Catarina não era fisicamente vaidosa, trajava-se com modelos mais tradicionais do que propriamente editados pela moda. Na face, apenas um batom rosado. Usou durante toda a sua vida um único perfume: essência de rosas brancas, o que também marcava a sua presença com simplicidade e aroma agradável.  Doou suas jóias em favor de uma instituição de velhinhos no estado de Sergipe, restando-lhe apenas um relógio de pulso, um par de brincos e um anelzinho de dois pequenos brilhantes presenteado por seu pai.

Catarina lecionou para crianças durante sua juventude, mas, na verdade, ela lecionou durante toda a sua vida a disciplina que mais requer sabedoria emocional: lecionou "Vida"!

Catarina nasceu em Strasbourg e morreu em Colmar (cidades vizinhas)

Catarina Fontan VIVE!!!


Ilka Vieira

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