terça-feira, 23 de junho de 2015

Judith, a Patroa





















 Éramos somente as duas naquela casa; Judith já trabalhava comigo há cinco anos e mostrava-se sempre muito reservada e dedicada às suas tarefas domésticas. Tínhamos quase a mesma idade, mas enquanto eu vivia cobrindo as dores com sorrisos, Judith cobria os sorrisos com trabalho.
Cheguei à cozinha e a vi descascando (as) batatas. Peguei uma faca e, ajudando-a, perguntei-lhe: 
— Judith, nunca me falaste dos teus sonhos; o que sonhas?

Ela me respondeu: 
— Claro, D. Catarina, eu sonho em ser patroa um dia!

Respondeu-me com tanta empolgação, como se tivesse muito determinada... E dei continuidade à nossa conversa:
— Judith, se fosses (uma) patroa, que tipo de patroa serias, já pensaste nisso?
— Claro! Ah, eu seria uma patroa muito boa, assim que nem a senhora é para mim, inclusive... também não a obrigaria a usar a touquinha do uniforme. Pensa que não sei, a senhora compra os meus uniformes e antes de me entregar tira e guarda as touquinhas...

No dia seguinte, esperei Judith ir ao mercado e vesti-me de Judith, mas fiz questão de usar uma daquelas touquinhas que estavam guardadas. Olhei-me no espelho e me fiz a mesma pergunta: que tipo de assistente doméstica você seria, Catarina? Respondi-me: vamos ver! 
Quando abri a porta, Judith assustou-se com meu uniforme, mas não com o meu comportamento... Afinal, como Catarina ou Judith, minhas gentilezas eram as mesmas. 

Auxiliei-a no armazenamento das compras e quando me perguntou sobre o uniforme que estava vestindo, esclareci-lhe que a partir daquele momento viveríamos uma nova experiência: ela seria Judith, patroa, e eu, Catarina, assistente. A princípio ficou desconcertada, mas convenci-a de que seria muito interessante.

Judith instalou-se no meu quarto e de lá gritava sem suavidade: Catarina, traga o meu chá... e bem quentinho!

Enquanto eu varria a casa, Judith me ordenava que parasse com a limpeza, odiava poeira, melhor seria que desse continuidade ao meu trabalho quando ela estivesse fora de casa.
Quando atendi ao carteiro na porta, pedi à Judith a gorjeta, mas ela respondeu-me que ele já estava muito bem pago pelos Correios. Atendeu ao telefone e disse à minha irmã que Catarina não poderia falar com ela, porque não era hora para conversas, estava lavando a louça do almoço. Pedi-lhe uma folga de meio dia, mas não me concedeu, justificando que não era hora para folgas. Recebeu uma velha amiga e ofereceu-lhe um farto lanche , mas não se preocupou comigo, que esperava por alguma sobra...

No dia seguinte, Judith vestiu-se com minhas roupas e quando retornou encontrou a realidade à sua espera. Senti que ficou triste, preferiria viver a fantasia para a qual não estava preparada. Inicialmente dei-lhe um abraço e, depois, meu parecer sobre sua experiência. Quando lhe perguntei se havia sido uma assistente tão generosa como eu fora todos esses anos com ela, respondeu-me como se estivesse acordando e refletindo sobre cada uma das suas atitudes. Judith chorou, muito decepcionada com seu próprio comportamento, mas de certa forma começava a se preparar para ser a patroa que tanto almejava ser.

Quando me mudei para Brasília, despedimo-nos e Judith seguiu pela escola de patroas em que a vida a matriculara.

Catarina Fontan 
(Manuscrito datado: março 2000)



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