terça-feira, 23 de junho de 2015

Reencontro da Alma



















A felicidade era plena! Denunciei-me quando abri a janela e perdi a timidez diante do gigante sol. Não estava sendo especulada, mas se o estivesse não me envergonharia; acabara de descobrir-me bela, romântica, preparada para correr ao espelho e tocar cada parte da minha face, do meu corpo,  respirar transformação e sucesso!

Eu acabara de renascer e já dotada de tanta maturidade, mas onde... O que fiz dos meus restos mortais? Deixara-os provavelmente sob a noite fria passada ou pendurados ao meu  alcance? Nunca  nos desfazemos completamente do que fomos, disso sei eu, mas... se já estava realizada  e determinada...  É como uma peça de roupa rasgada... conservá-la, se já temos outra nova,   para    quê? Será assim para tudo? Não, claro que não!

Ainda ontem, convidei a velha amiga Rebecca para um chá informal das seis horas, sentia-me com vontade de "falar pelos cotovelos". Ela não aceitou de imediato, mas também não recusou, precisava pensar. Ora, que tanto essa gente pensa para ser feliz? Como já passava das sete, convidei uma nova amiga, Gilda,  para o chá das nove. Gilda é muito falante e certamente não me deixaria  falar, mas quem sabe estaria precisando falar mais do que eu? A nova amiga foi pontual e  quando saboreávamos o chá, Rebecca telefonou-me já se dizendo a caminho. A princípio, confesso, fiquei irritada, afinal  Gilda surpreendera-me com seu ouvido tolerante; deixara-me falar sem me interromper em nenhum momento, e a presença de Rebecca iria me tirar a espontaneidade. No entanto, contive o impulso de descartar Rebecca e optei por desfrutar das duas, era o momento propício para entender o que eu queria de mim mesma. Foi uma noite agradabilíssima, falamos sobre as velhas e as novas  histórias. Elas puderam falar, afinal; eu aprendi a ouvir somente quando apenas precisava falar.

Cada passo em direção à conscientização é sucesso... é a lucidez da maturidade!
Acabo de abrir a janela e sinto a noite fria tentando cobrir o que se foi de mim. Ah, mas não vou me deixar ao relento, quero-me inteira, com todas as covardias abraçando-se a essa nova coragem que muito se parece com intempestividade, autoexibicionismo... Quero chorar e por mim mesma secar minhas lágrimas de doçura ou de bravura.

Tanto refleti, e não me decidi... e a noite se foi, mas eu fiquei aqui dentro e lá fora... metade para cada lado, tão partida, que voltei a envergonhar-me de mim mesma. Abri a porta e fui buscar a minha autenticidade... Lá estava ela, tímida e apreensiva, esperando pelo meu chamado; feia e fria... quase assustadora, mas denunciando-se interessada em me aceitar!


Catarina Fontan
(Manuscrito datado: maio 1971)



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