terça-feira, 23 de junho de 2015

Olhar de Juventude
























Sempre tenho uma cadeira de balanço na varanda, mas ao contrário de resignar-me através dela com a velhice (o que é muito comum), crio viagens as quais os transportes coletivos estão incapacitados de fazê-las. É preciso sentir desejo de ficar só para conhecer a profundidade do próprio "EU". Ele já é uma grande comunidade e se não nos proporcionarmos o mais absoluto silêncio, não conseguiremos ouvi-lo. É preciso criar um canal de comunicação entre os nossos "EUS" e a natureza; deixar que se emocionem entre si, que perguntem... que respondam... que contestem... que se entendam...

Há nessa comunidade interior "EUS" que jamais sentiram o perfume das flores, jamais permitimos!
Outros que gritam... choram e nem sabemos porquê, nunca os interrogamos! Há aqueles que dormem continuamente por lassidão... desistiram!

O balanço cadenciado da cadeira vai nos permitindo visitar cada "EU" tão carente... esquecido... trancado... Inclusive aqueles que se mostram mais rebeldes, que quebram paredes e tetos.... que chegam à superfície e nos deixam irritadíssimos no cotidiano, tornam-se mais harmônicos quando "os olhamos".  Quantos dos nossos "EUS" já nos pediram "um forte abraço"... uma cantiga de ternura?

Repentinamente, os meus olhos vão pintando o céu em tom de anil; o riacho reciclando de leveza suas águas atormentadas; o vento assobiando, fazendo-se ar puro, brincando de correr sem freios fora e dentro de mim...

A cadeira de balanço "aterrissa"... eu não; a paz do "EU" em mim é plena!
Desfaço a mala, mas não guardarei nas gavetas o seu conteúdo; levar-me-ei inteira!
... E quando a velhice bater à minha porta, saberei recebê-la com olhar de juventude.

Catarina Fontan
(Manuscrito datado: Maio 1989)

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