terça-feira, 23 de junho de 2015

Le Bihan

























Entardecera em Paris e lentamente as velas dos melhores cafés já eram acesas. Via-as através das vidraças com meias cortinas e eu apenas caminhava pelas avenidas como quem nada quer, mas tudo absorve. Paris, ao cair da tarde, faz seu convite aos casais de namorados, amantes da pele e da boa música, amigos solitários que se encontram e fazem do momento o mais saudável silêncio; não querem conversar, mas estar juntos para ouvir a bela melodia, apreciar reações humanas que se despedem do dia. Para finalizar a lista, também surgem repentinamente pessoas como eu que, embora estejam aparentemente sós, não se sentem assim.

Entrei no Le Bihan. Já havia estado lá há muitos anos, mas tudo estava no seu devido lugar e o jovem pianista Raed apenas ganhara fios grisalhos na farta franja. Como é bom rever pessoas que nem chegaram a nos conhecer, mas que por nós tornaram-se conhecidos para a "eternidade". Quando me sentei à mesa, Raed tocava Danz C'est L'amour e me trouxe Piaff à lembrança. Conheci no decorrer da vida muitas mulheres que precisariam ser Piaff uma vez apenas nas suas vidas. Oh, Piaff, ousada e determinada Piaff, sabia que sobreveveria nas nossas mais importantes histórias. Conheci um italiano que me disse uma certa vez: eu compraria, pela Itália, a nacionalidade de Piaff.

Mas aquele era o meu momento, Catarina somava lembranças e abraçava-se fortemente a elas, não lhe permitia perder nem mesmo uma. Pensei em Helena, que me acusava por viver de sonhos, mas ela nunca os havia experimentado, não sabia sonhar! Pensei em Dübanier, velho amigo francês que levou dez anos encorajando-se para se declarar apaixonado por mim, enquanto levei menos de um minuto para convencê-lo do quanto prezava sua amizade e amava a vida. Se amasse uma única pessoa, não teria tempo para amar intensamente a vida. 

Admirável Dübanier, concordou comigo sentindo-se infeliz. Pensei em João Carlos de Freitas, jovem brasileiro, mineiro, inteligente, talentoso e sensível para a música. Vendeu a casa que herdara do pai para comprar um piano novo. Perguntei-lhe onde colocaria o piano, se não dispunha mais da casa, mas o rapaz era tão determinado que já havia decidido: o piano ficaria no mesmo restaurante em que ele iria tocar em troca de alguma ajuda financeira. Perguntei-lhe então onde iria dormir e ele me respondeu que estava mais preocupado em ensaiar. Fiquei sabendo mais tarde que João dormiu no chão, colado ao piano por alguns anos, até que lhe convidaram para tocar em Berlim.

É sempre assim, a noite chega e com ela vou reunindo meus amigos, meus ídolos, que não cabem na bolsa, porque são todos tão imensos de virtudes e conquistadores do meu coração.Ao me deitar, pedirei à Saint Germain de Charonne que proteja a todos sob o olhar de Jesus.

Boa noite, Raed!
Boa noite, Piaff!
Boa noite, minha irmã Helena!
Boa noite, Dübanier!
Boa noite, João Carlos!
Até à volta, Le Bihan!
Boa noite, Catarina!
Boa noite, Jesus!


Catarina Fontan
(Manuscrito datado:  Outubro 2001) 

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